Desembargadores que participaram de julgamento em que vítima foi chamada de ‘sonsa' em caso de assédio responderão a processo disciplinar
07/11/2024
Relator citou normas do CNJ que determinam adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos. Defesa disse que vai demonstrar que falas 'se deram dentro de um conjunto necessário'. Desembargadores Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha e o pastor Davi Passamani, em Goiás
Reprodução/Youtube e Reprodução/Instagram
O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu instaurar um processo administrativo disciplinar contra os desembargadores do Tribunal de Justiça de Goiás Silvânio Divino de Alvarenga e Jeová Sardinha. Os desembargadores descredibilizaram uma mulher que entrou com uma ação contra o pastor Davi Passamani por assédio moral e sexual em março.
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Durante a discussão do caso, um dos magistrados chegou a chamar a vítima de "sonsa", e outro afirmou que temas como assédio moral, assédio sexual e racismo se tornaram um "modismo". Davi Passamani é fundador da igreja A Casa.
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As falas foram proferidas durante uma sessão de julgamento da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás Ao g1, o advogado dos desembargadores, Dyogo Crosara, afirmou que a defesa recebeu com "muita naturalidade" a decisão e que, nessa fase do processo, "eles vão poder demonstrar que as falas que eles fizeram na sessão se deram dentro de um conjunto necessário para o julgamento daquela ação específica, sem qualquer teor de uma crítica sexista ou racista feita por qualquer deles".
"Os dois magistrados contam com mais de 40 anos cada um de atuação na magistratura, nunca responderam a processos disciplinares e vão poder, nessa fase do processo, mostrar que não excederam em qualquer de suas manifestações", disse o advogado.
O julgamento que instaurou o procedimento disciplinar ocorreu na última terça-feira (5). Na ocasião, o relator, ministro corregedor Mauro Campbell Marques, ressaltou que é necessário apurar as condutas dos magistrados para verificar se suas atuações violam a Constituição Federal e as normas do próprio CNJ, que determinam a adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário.
"Relembro a todos aqui que também deve ser observado o descumprimento da Resolução nº 492, que apresenta a implementação do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, cujas diretrizes devem ser seguidas por todo o Poder Judiciário nacional", ressaltou.
O relator afirmou que o uso do termo "sonsa", em qualquer contexto, não é civilizado. "Não consigo contextualizar essas expressões, o que se vergastava naquele julgamento. De forma que eu não posso admitir que seja fundamento de voto em julgamento de tribunal deste país, que se traga à baila atribuições de condições de sonsa ou expressões desse jaez.", disse.
“O termo ‘modismo’, utilizado pelo reclamado, para além de fundamentar seu voto, excede e denota uma desconsideração do Judiciário nacional pelas lutas sociais contra o assédio sexual”, completou o relator no voto.
No julgamento, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que o Conselho deve atuar para superar o machismo estrutural ainda presente na sociedade brasileira, rompendo os estereótipos que prejudicam e dificultam a equidade de gênero.
Entenda o caso
Magistrados descredibilizam mulher em análise de assédio sexual envolvendo Davi Passamani
Na sessão, os desembargadores analisavam o caso de assédio sexual envolvendo o pastor Davi Passamani. O desembargador Silvânio Alvarenga, que questionou se a vítima não estaria sendo "sonsa", chegou a sugerir que esse tipo de processo estaria prejudicando a interação entre os homens e as mulheres.
Em sua fala, ele disse que os homens estariam receosos de se relacionar com mulheres, com medo de serem processados por assédio. Na ocasião, o desembargador solicitou mais tempo para análise do pedido da vítima. A nova sessão para análise do caso estava marcada para esta terça-feira (26).
Em seguida, ainda na sessão, o desembargador Jeová Sardinha demonstrou certa preocupação quanto aos temas discutidos, pontuando que casos de assédio e até racismo teriam virado "modismo".
"Não é à toa, não é brincadeira, que estão sendo usados e explorados com muita frequência”, pontuou Sardinha.
Na sessão, os desembargadores chegaram a questionar se a vítima e o namorado não teriam planejado uma situação com o objetivo final de entrar com uma ação contra o pastor.
Histórico de crimes sexuais
Prints mostram momento em que pastor Davi Passamani conversa com fiel, a importunando sexualmente (Goiânia/Goiás)
Reprodução/Redes Sociais
Em março de 2020, uma jovem de 20 anos usou as redes sociais para denunciar Passamani por importunação sexual. A denúncia foi formalizada na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Goiânia, que apurou o relato e encaminhou o inquérito ao Ministério Público.
De acordo com a jovem, o assédio teria ocorrido pouco mais de um ano antes da denúncia, mas ela justificou que teve medo e insegurança em expor a situação. Nas postagens em perfil no X (antigo Twitter), ela garantia ter provas da queixa como áudios, mensagens de texto e até vídeo de uma chamada que o pastor teria feito com ela.
O advogado do pastor disse à época que ele foi afastado das funções ministeriais para tratamento médico especializado. Também no final de março, Passamani gravou um vídeo no qual ele negava a prática de crime e avisava sobre o apoio psiquiátrico a que havia procurado.
Um mês depois, a Justiça arquivou o processo por “ausência de justa causa”. O processo corre em segredo de Justiça.
Em 20 de dezembro de 2023, uma outra vítima registrou boletim de ocorrência relatando que o líder religioso enviou mensagens com teor sexual, descreveu fantasias eróticas e ainda fez uma chamada de vídeo mostrando o órgão sexual. O caso é investigado pela Polícia Civil.
A jovem contou à polícia que havia procurado Davi anteriormente para um aconselhamento, após passar por uma crise em seu namoro. Segunda ela, a conversa em questão teria começado quando o pastor perguntou sobre o namoro dela. Ela agradeceu as orações e disse que tinha terminado o relacionamento. A partir desse momento, a conversa teria evoluído para investidas sexuais por parte do líder religioso. A investigação está sob sigilo.
Caso analisado
O caso que era analisado pelos desembargadores é uma denúncia de assédio sexual e assédio moral contra o pastor Davi Passamani. A denúncia feita pela vítima contra o pastor foi arquivada pelo Ministério Público por falta de provas, em 2020. Com isso, no mesmo ano a defesa entrou com uma ação cível para reparação de danos morais.
Quem é o pastor
Pastor Davi Passamani em Goiânia
Reprodução/Redes Sociais
Davi Passamani liderou por mais de 10 anos o grupo gospel Ministério Ipiranga, pela Igreja do Evangelho Quadrangular do Ipiranga, em São Paulo. Em 2010, saiu da banda e três anos depois lançou o primeiro álbum solo, seguindo até 2018 com cinco discos.
Morando em Ipatinga, Minas Gerais, Davi decidiu se mudar com a esposa e as duas filhas para Goiânia, com o objetivo de iniciar um grupo religioso. Em 2017, fundou a Igreja Casa, que atualmente reúne aproximadamente mais de mil pessoas em cada culto, sendo a maioria jovens.
A partir deste templo, foi criada a banda Casa Worship, em 2018, que ganhou notoriedade com a música “A Casa É Sua”. Naquele ano, o disco “Novo Tempo” recebeu a indicação do Grammy Latino ao prêmio Melhor Álbum de Música Cristã.
O pastor foi preso em abril por agentes da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher, suspeito de cometer crimes sexuais.
Nota defesa Pastor Passamani na época da prisão:
A AUTORIDADE POLICIAL informou verbalmente a este advogado que o motivo da prisão seria o fato de DAVI PASSAMANI estar presente em louvores e isso representa risco à sociedade de ocorrência de possíveis novas vítimas de assédio. Indagada se era somente isso, ela disse que sim. Porém, se negou a entregar a cópia da decisão judicial que fundamentou a prisão, embora tenha certificado sua negativa.
Está prisão, segundo a delegada, está relacionada ao inquérito policial inaugurado no final do ano de 2023 por suspeita de assédio, porém, embora esgotado o prazo de 30 dias para a conclusão dele, a autoridade policial foi omissa e não o concluiu, provavelmente, aguardando o momento oportuno para o espetáculo público. A defesa qualifica as informações contidas nesse inquérito de vazias, lacunosas e genéricas.
Ressalte-se que DAVI PASSAMANI nunca foi condenado criminalmente por tipo penal de assédio sexual e a defesa nega tais acusações. Reafirma-se, mais uma vez, que tudo não passa de uma conspiração para destruição de sua imagem e investida ilegítima de seu patrimônio, ruína financeira, bem como o impedimento de qualquer prática religiosa. No momento estratégico adequado, seus conspiradores, todos eles, serão representados e seus nomes divulgados
A defesa desconhece qualquer ordem judicial que o impeça de qualquer prática religiosa e não descumpriu ele nenhuma ordem judicial. Providências serão tomadas para a retomada de sua liberdade.
Leandro Silva
Advogado
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